Segundou: O silêncio destes dias… ou a falta dele!

Por Felipe Emanoel

Ontem começou, no calendário ocidental, a “Semana Maior”. Alguns lugares do oriente, influenciados pelo catolicismo que rege a fé sob a égide do Rito Romano, também celebram essa semana como a “Semana Maior”.

Qual é a diferença dessa semana para as demais? Nenhuma, salvo o caso de que no Brasil, a atmosfera se muda, em sua maioria, para uma realidade mais transcendente. Como quer que seja, objetivamente falando, os dias que se sucedem desde o Domingo de Ramos até o Sábado de Aleluia, não têm em si mesmos, nada de diferente, salvo a questão religiosa e cultural que permeia esses dias.

Culturalmente falando, quem não está à procura do peixe da sexta-feira santa? Quantas pessoas, sobretudo da zona rural, não fizeram a “junta” das roupas para a pega do “juda” na sexta à noite? Qual casa de uma senhora piedosa com seus mais de 60 anos, não está com as imagens dos santos cobertas? Quem ainda não foi admoestado por sua avó (pelo menos até um tempo atrás), que na quarta-feira dessa semana (chamada quarta-feira de trevas) não se pode tomar banho?

Todas essas coisas culturais, tomam conta do ambiente sertanejo nesses dias que começamos ontem. É cultural. Já se impregnou de tal forma no imaginário sertanejo, que mesmo aquelas pessoas sem o salutar costume de frequentar a igreja, se veem na obrigação de praticar alguma obra de piedade (seja não comer carne, seja o jejum ou qualquer outra prática tradicional). É uma forma de dizer que crê; é uma forma de deixar viva a memória de tantas pessoas que pela falta de tanto, só tinham a fé como arrimo (e o erro dos nossos dias é achar que não precisamos dela).

Além desses aspectos culturais, temos o miolo mesmo, por assim dizer, desses dias assim serem: a liturgia da Igreja Católica. Desde o Domingo de Ramos inicia-se na Igreja o curto “tempo da paixão”, que celebra em sua liturgia, seja no Ofício Divino, seja nas Missas, os mistérios que rondam a centralidade da fé católica.

Essa centralidade se acentua no chamado “tríduo pascal”, quando a Igreja celebra a Missa da Ceia do Senhor (conhecida como o lava-pés) na quinta-feira Santa; a paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo (conhecida como o “beijo da Cruz”) na sexta-feira Santa, preferencialmente às 15h (que segundo a tradição, foi a hora exata em que Cristo morreu no madeiro da Cruz); encerrando-se o tríduo com a vigília pascal, quando a Igreja, em virtude da ressurreição de Cristo, que se deu na madrugada do sábado para o domingo, entoa a altos tons o ALELUIA, após mais de 40 dias sem cantá-lo.

Para os Católicos, a centralidade dos mistérios de sua fé é “presentificada” no tempo por meio da liturgia, que presidida pelos seus ministros in persona Christi, fazem com que os presentes participem plenamente dos mesmos mistérios e daquele banquete que terá pleno cumprimento no céu.

Outrossim, tendo dito tudo isso, quero me ater nesses últimos parágrafos a um aspecto importante, mas negligenciado na vida atual: o silêncio e a meditação.

É evidente que nos nossos tempos, infelizmente, temos sido arrastados pelas correntes várias e pela moda; pelos “influencers” e pelas informações sem qualidade; pelas narrativas e pelos falsos gurus que se arrogam direitos de intelectualidade, mas no fundo são fanfarrões que aprenderam três ou quatro frases de efeito e se acham na prerrogativa de ensinar aos demais.

É fato que temos pensado pouco. É fato que temos caminhado muito, mas, como diria Santo Agostinho, fora do caminho. É muito barulho. É muito ruído. O tempo para pensar está pouco.

Partindo do pressuposto de que esses dias, pelo menos da quarta-feira em diante, um pouco do frenesi da vida estará suspenso, pelo menos até o sábado, paremos um instante; desliguemos as redes sociais, os televisores, as caixas de som; abandonemos a necessidade das modas e os preconceitos dos gurus e avaliemos a que pé está a nossa vida!

Estou realmente amando os meus com gestos de carinho, de entrega e palavras de afeto? Estou sendo responsável com os meus compromissos? Tenho condições de ajudar alguém e se o tenho, o faço? Tenho usado mais do que o necessário ou tenho vivido em busca de vaidades simplesmente para corresponder às necessidades do mundo que com a sua moda me cobra? Como anda a minha relação com Deus? Tenho buscado o céu?

Essas perguntas podem nos ajudar a fazer um momento de reflexão e redirecionar nossas vidas, se necessário. Muitas outras podem ser feitas além dessas, mas somente nós mesmos podemos respondê-las e emendar-nos. Isso serve para todos, afinal, somos seres racionais, independente da fé. Essas indagações podem nos ajudar a ser melhores.

Aos meus irmãos católicos, uma boa semana Santa. Que a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, celebradas na liturgia e reverenciadas na vida, sejam sempre o norte das nossas ações. Aos crentes de demais denominações, as minhas saudações e votos de uma boa semana de descanso e reflexão. Aos não crentes o meu respeito, mas o meu pedido: homem como vós, o Jesus histórico quer falar-vos. Deixai.

A todos, uma abençoada semana. Até a próxima!

Segundou: A cacofonia musical

Por Felipe Emanoel

Ontem estive no terraço de casa ouvindo algumas músicas da velha guarda. Sob o influxo da brisa noturna, deixei meus pensamentos divagarem no trinado das cordas das orquestras de outrora. Cada “samba-canção” entoado pelas “vozes do rádio”, descortinava um cenário novo e antigo, naquele tipo de ócio no qual o intelecto descansa sem erro nem demagogia.

Em dado momento, na playlist que ouvira, começava a versão de “fica comigo esta noite” gravada nos anos 70 por Nelson Gonçalves. Uma melodia melancólica – como quem pede alguma coisa – enfeita a letra que de fato pede alguma coisa. A letra é a seguinte:

 

Fica comigo esta noite

Que não te arrependerás

Lá fora o Frio é um açoite

Calor aqui tu terás

Terás meus beijos de amor

Minhas carícias terás

Fica comigo esta noite

Que não te arrependerás

 

Quero em teus braços, querida,

Adormecer e Sonhar

Esquecer que nos deixamos

Sem nos querermos deixar

Tu ouvirás o que eu digo

Eu ouvirei o que dizes

Fica comigo esta noite

E então seremos felizes”

 

Dispensarei a análise do perfeito português utilizado nesta música e passo a considerar tão somente o conteúdo.

Como eu dizia, trata-se uma melodia melancólica como quem pede e implora algo, típico daquele tom de voz que usamos com alguém que amamos, pedindo que essa pessoa não vá embora. A letra, dotada de uma poesia bela, evidencia o pedido cuidadoso (ao mesmo tempo em que usa o frio “lá de fora” como uma arma argumentativa pra que ela fique) de quem quer que o amor não saia, não se acabe, não se perca no frio, que aqui pode ser entendido como o frio físico propriamente dito e o frio da distância e da solidão.

Tudo isso eu escrevi, para poder falar do que vemos hoje: letras que tratam sempre do mesmo assunto e com as mesmas palavras.

Se fizéssemos uma análise de palavras chave para os “sucessos” de hoje, certamente essas palavras figurariam isoladas: senta, fica, bunda, problema, sarra, boiadeira, cowboy, beber e etc.

A riqueza léxica que tem o português é simplesmente ignorada na hora de compor uma “música”. É uma pobreza linguística e criativa sem precedentes! Ao meu ver, como conhecedor profundo da Música Brasileira, creio que nunca chegamos a esse nível.

Músicas que contam experiência de vida (ouça “Caminheiro” de Milionário e José Rico), histórias de superação de um amor (ouça “Pisando com talento” de Nelson Gonçalves), a eternidade dos apaixonados (ouça “Pra sempre” de Roberto Carlos), e tantas outras coisas cotidianas e valores morais, simplesmente são substituídos pelas letras que tratam tão somente de “sentar”.

Outrossim, não bastasse a letra PÉSSIMA, a melodia e os arranjos são praticamente os mesmos. A criatividade morreu. Tem que vender no ritmo desenfreado da internet. Fato é, que poucas pessoas conseguem lembrar a música que fez sucesso ano passado… Enquanto isso, “fica comigo esta noite” ainda toca nas alexas da vida e no rádio, mostrando que o que é bom, não vai pra valeta sem fim do esquecimento, mas atravessa gerações.

Findo minha reflexão dizendo que TODA GENERALIZAÇÃO É BURRA! Temos muita coisa boa sendo produzida hoje, mas infelizmente passam despercebidas pelo olhar da maioria, que infelizmente tem consumido as bobagens que lhe dão, não digo sequer o mercado fonográfico, pois ao meu ver, esse mercado já não é tão evidente como outrora, tendo em vista os “produtores independentes de si próprios”, mas nas redes sociais.

Experimente trocar as “sentadas” da vida, por “Fica comigo esta noite” na gravação original… Verás muito mais que os “beijos de amor”, aprenderás o romantismo, a música, e enriquecerás o teu vocabulário. Por hoje é só! Até segunda!

Coluna Segundou: A corruptela da linguagem…

Por Felipe Emanoel

Esses dias, quem acompanha páginas de conteúdo jurídico foi surpreendido por uma notícia que afirmava que um colega advogado, teria colocado uma receita de pamonha no corpo de uma petição, para comprovar que as peças processuais dos advogados NÃO eram lidas pelos magistrados e/ou estagiários daquele poder.

O que impressionou não foi o fato do colega ter colocado a receita, mas o fato de que o processo correra normalmente, sem que o juiz se desse conta do fato.

Com tudo isso, é impossível que não façamos uma reflexão, que ao meu ver, perpassa por dois aspectos: o primeiro, é o aspecto da simplificação da linguagem judicial e a outra é o uso desse argumento por alguns, para fundamentar a preguiça de dominar seu instrumento de trabalho: a palavra.

Passemos ao primeiro ponto: é extremamente necessário que a linguagem jurídica seja simplificada, tanto para favorecer a compreensão dos protagonistas processuais (sejam partes, sejam advogados, sejam magistrados ou Ministério Público), quanto da população em geral.

Conta-se de Rui Barbosa, grande jurista brasileiro e grande orador, que determinado dia fora surpreendido por um ladrão de galinhas em seu quintal. Quando observou o fato, enchendo os pulmões como quem acaba de chegar à parênese de uma tese em Tribunal do Júri, disparou: “Não o interpelo pelos bicos de bípedes palmípedes, nem pelo valor intrínseco dos retrocitados galináceos, mas por ousares transpor os umbrais de minha residência. Se foi por mera ignorância, perdoo-te, mas se foi para abusar da minha alma prosopopeia, juro pelos tacões metabólicos dos meus calçados que dar-te-ei tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que transformarei sua massa encefálica em cinzas cadavéricas”. O delinquente – coitado – sem entender bulhufas, admirado e hesitante, lançou um olhar ao jurisconsulto e disse: “Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou não?”.

Percebe-se que muitas vezes essa linguagem extremamente rebuscada, deixa o “mundo jurídico” muito distante do povo, que por não conhecer os seus direitos, muitas vezes os vê burlados. Por outro lado, deixa os processos extremamente enfadonhos, prejudicando uma salutar atividade processual.

No caso acima bastava Rui Barbosa ter dito: “Não venho lhe interpelar pelo galináceos em si, nem pelo valor baixo dos mesmos. O faço por teres invadido a minha residência. Se o fez por ignorância, lhe perdoo. Se o fez, porém, para abusar de mim, juro pelos meus calçados, que te darei uma pancada na cabeça que seu cérebro vai se desfazer”. Ficou bem mais fácil de entender, não? Ainda assim, sem utilizar uma linguagem chula.

Passemos ao segundo ponto: tudo isso, porém, não significa que devamos usar uma linguagem deselegante, em um português grosseiro repleto de erros e tudo o mais. Há pessoas (se temos a liberdade de falar), que pela pobreza de glossário, se utilizam de uma linguagem extremamente simples, mas ao mesmo tempo prolixa (veja que paradoxo), contentando-se a repetir sentenças e orações já proferidas, em um texto que mal podemos chegar à conclusão. Em um caso como esse, é questão de sobrevivência, talvez, que o magistrado passe aos pedidos sem dar atenção aos fatos e/ou fundamentação.

Inúmeras vezes, em contestações, arguimos preliminares de inépcia da inicial, justamente pela falta conclusão lógica entre a narrativa, a fundamentação e os fatos (CPC art. 330, §1°, inciso I).

Não é desculpa! O instrumento de trabalho de um jurista é, antes de qualquer coisa, a PALAVRA. É pela palavra que pensamos o direito, que o defendemos, que o positivamos. É pela palavra que sustentamos uma tese, que convencemos um juiz! Não ter o domínio dela, ofende a própria atividade jurídica (seja ela em qual perspectiva for).

O causo da pamonha evidencia muita coisa: de um lado, uma preocupação exagerada com a técnica e não com o direito; de outro um esforço por simplificar uma linguagem enfadonha, mas que muitas vezes é utilizado como desculpa por quem não quer ter o trabalho de se aperfeiçoar na sua mãe (a língua).

Nesse sentido, procuremos não ser pamonhas. Sejamos claros, concisos, mas não percamos a elegância que é própria do direito.