Segundou: A cacofonia musical

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Por Felipe Emanoel

Ontem estive no terraço de casa ouvindo algumas músicas da velha guarda. Sob o influxo da brisa noturna, deixei meus pensamentos divagarem no trinado das cordas das orquestras de outrora. Cada “samba-canção” entoado pelas “vozes do rádio”, descortinava um cenário novo e antigo, naquele tipo de ócio no qual o intelecto descansa sem erro nem demagogia.

Em dado momento, na playlist que ouvira, começava a versão de “fica comigo esta noite” gravada nos anos 70 por Nelson Gonçalves. Uma melodia melancólica – como quem pede alguma coisa – enfeita a letra que de fato pede alguma coisa. A letra é a seguinte:

 

Fica comigo esta noite

Que não te arrependerás

Lá fora o Frio é um açoite

Calor aqui tu terás

Terás meus beijos de amor

Minhas carícias terás

Fica comigo esta noite

Que não te arrependerás

 

Quero em teus braços, querida,

Adormecer e Sonhar

Esquecer que nos deixamos

Sem nos querermos deixar

Tu ouvirás o que eu digo

Eu ouvirei o que dizes

Fica comigo esta noite

E então seremos felizes”

 

Dispensarei a análise do perfeito português utilizado nesta música e passo a considerar tão somente o conteúdo.

Como eu dizia, trata-se uma melodia melancólica como quem pede e implora algo, típico daquele tom de voz que usamos com alguém que amamos, pedindo que essa pessoa não vá embora. A letra, dotada de uma poesia bela, evidencia o pedido cuidadoso (ao mesmo tempo em que usa o frio “lá de fora” como uma arma argumentativa pra que ela fique) de quem quer que o amor não saia, não se acabe, não se perca no frio, que aqui pode ser entendido como o frio físico propriamente dito e o frio da distância e da solidão.

Tudo isso eu escrevi, para poder falar do que vemos hoje: letras que tratam sempre do mesmo assunto e com as mesmas palavras.

Se fizéssemos uma análise de palavras chave para os “sucessos” de hoje, certamente essas palavras figurariam isoladas: senta, fica, bunda, problema, sarra, boiadeira, cowboy, beber e etc.

A riqueza léxica que tem o português é simplesmente ignorada na hora de compor uma “música”. É uma pobreza linguística e criativa sem precedentes! Ao meu ver, como conhecedor profundo da Música Brasileira, creio que nunca chegamos a esse nível.

Músicas que contam experiência de vida (ouça “Caminheiro” de Milionário e José Rico), histórias de superação de um amor (ouça “Pisando com talento” de Nelson Gonçalves), a eternidade dos apaixonados (ouça “Pra sempre” de Roberto Carlos), e tantas outras coisas cotidianas e valores morais, simplesmente são substituídos pelas letras que tratam tão somente de “sentar”.

Outrossim, não bastasse a letra PÉSSIMA, a melodia e os arranjos são praticamente os mesmos. A criatividade morreu. Tem que vender no ritmo desenfreado da internet. Fato é, que poucas pessoas conseguem lembrar a música que fez sucesso ano passado… Enquanto isso, “fica comigo esta noite” ainda toca nas alexas da vida e no rádio, mostrando que o que é bom, não vai pra valeta sem fim do esquecimento, mas atravessa gerações.

Findo minha reflexão dizendo que TODA GENERALIZAÇÃO É BURRA! Temos muita coisa boa sendo produzida hoje, mas infelizmente passam despercebidas pelo olhar da maioria, que infelizmente tem consumido as bobagens que lhe dão, não digo sequer o mercado fonográfico, pois ao meu ver, esse mercado já não é tão evidente como outrora, tendo em vista os “produtores independentes de si próprios”, mas nas redes sociais.

Experimente trocar as “sentadas” da vida, por “Fica comigo esta noite” na gravação original… Verás muito mais que os “beijos de amor”, aprenderás o romantismo, a música, e enriquecerás o teu vocabulário. Por hoje é só! Até segunda!