Coluna Segundou: A corruptela da linguagem…

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Por Felipe Emanoel

Esses dias, quem acompanha páginas de conteúdo jurídico foi surpreendido por uma notícia que afirmava que um colega advogado, teria colocado uma receita de pamonha no corpo de uma petição, para comprovar que as peças processuais dos advogados NÃO eram lidas pelos magistrados e/ou estagiários daquele poder.

O que impressionou não foi o fato do colega ter colocado a receita, mas o fato de que o processo correra normalmente, sem que o juiz se desse conta do fato.

Com tudo isso, é impossível que não façamos uma reflexão, que ao meu ver, perpassa por dois aspectos: o primeiro, é o aspecto da simplificação da linguagem judicial e a outra é o uso desse argumento por alguns, para fundamentar a preguiça de dominar seu instrumento de trabalho: a palavra.

Passemos ao primeiro ponto: é extremamente necessário que a linguagem jurídica seja simplificada, tanto para favorecer a compreensão dos protagonistas processuais (sejam partes, sejam advogados, sejam magistrados ou Ministério Público), quanto da população em geral.

Conta-se de Rui Barbosa, grande jurista brasileiro e grande orador, que determinado dia fora surpreendido por um ladrão de galinhas em seu quintal. Quando observou o fato, enchendo os pulmões como quem acaba de chegar à parênese de uma tese em Tribunal do Júri, disparou: “Não o interpelo pelos bicos de bípedes palmípedes, nem pelo valor intrínseco dos retrocitados galináceos, mas por ousares transpor os umbrais de minha residência. Se foi por mera ignorância, perdoo-te, mas se foi para abusar da minha alma prosopopeia, juro pelos tacões metabólicos dos meus calçados que dar-te-ei tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que transformarei sua massa encefálica em cinzas cadavéricas”. O delinquente – coitado – sem entender bulhufas, admirado e hesitante, lançou um olhar ao jurisconsulto e disse: “Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou não?”.

Percebe-se que muitas vezes essa linguagem extremamente rebuscada, deixa o “mundo jurídico” muito distante do povo, que por não conhecer os seus direitos, muitas vezes os vê burlados. Por outro lado, deixa os processos extremamente enfadonhos, prejudicando uma salutar atividade processual.

No caso acima bastava Rui Barbosa ter dito: “Não venho lhe interpelar pelo galináceos em si, nem pelo valor baixo dos mesmos. O faço por teres invadido a minha residência. Se o fez por ignorância, lhe perdoo. Se o fez, porém, para abusar de mim, juro pelos meus calçados, que te darei uma pancada na cabeça que seu cérebro vai se desfazer”. Ficou bem mais fácil de entender, não? Ainda assim, sem utilizar uma linguagem chula.

Passemos ao segundo ponto: tudo isso, porém, não significa que devamos usar uma linguagem deselegante, em um português grosseiro repleto de erros e tudo o mais. Há pessoas (se temos a liberdade de falar), que pela pobreza de glossário, se utilizam de uma linguagem extremamente simples, mas ao mesmo tempo prolixa (veja que paradoxo), contentando-se a repetir sentenças e orações já proferidas, em um texto que mal podemos chegar à conclusão. Em um caso como esse, é questão de sobrevivência, talvez, que o magistrado passe aos pedidos sem dar atenção aos fatos e/ou fundamentação.

Inúmeras vezes, em contestações, arguimos preliminares de inépcia da inicial, justamente pela falta conclusão lógica entre a narrativa, a fundamentação e os fatos (CPC art. 330, §1°, inciso I).

Não é desculpa! O instrumento de trabalho de um jurista é, antes de qualquer coisa, a PALAVRA. É pela palavra que pensamos o direito, que o defendemos, que o positivamos. É pela palavra que sustentamos uma tese, que convencemos um juiz! Não ter o domínio dela, ofende a própria atividade jurídica (seja ela em qual perspectiva for).

O causo da pamonha evidencia muita coisa: de um lado, uma preocupação exagerada com a técnica e não com o direito; de outro um esforço por simplificar uma linguagem enfadonha, mas que muitas vezes é utilizado como desculpa por quem não quer ter o trabalho de se aperfeiçoar na sua mãe (a língua).

Nesse sentido, procuremos não ser pamonhas. Sejamos claros, concisos, mas não percamos a elegância que é própria do direito.